HENFIL E FRADIM: O PASSAPORTE PARA A TRANSGRESSÃO

2002-21-153-09-i003Nascido Henrique de Souza Filho, no dia 05 de fevereiro do ano de Nosso Senhor 1944, na pequena cidade mineira de Ribeirão das Neves, Henriquinho como era chamado teve a mesma educação religiosa que seus irmãos e colegas recebiam naquela época, onde os melhores colégios eram regidos pela Igreja Católica. A didática desses colégios se valia do medo do fogo do inferno como punição para tudo que não estivesse dentro das normas e regras ensinadas pela igreja até então.

Durante 15 anos Henriquinho – não, ele ainda não era Henfil não – viveu em constantes confissões na capela do Colégio Arnaldo, podia ser a menor travessura de criança ou mesmo um “pensamento impuro”, e lá ia Henriquinho correndo para se confessar e se livrar das chamas do inferno, que o receberiam, caso não pedisse perdão a Deus. E vendo o demônio a lhe espreitar em cada sombra, aguardando o menor mau pensamento para se apoderar de seu corpo deixando-o pretinho, a ponto de não ser mais reconhecido nem pela própria mãe, tentava pelo menos garantir seu lugar no purgatório.

A história começou a mudar, quando dois frades dominicanos, Ratton e Patrício, amigos de seu irmão Betinho, começaram a freqüentar sua casa, e aos poucos conversando com os frades criaram a intimidade suficiente para conversas mais “ousadas” a respeito de como era o inferno. Para sua surpresa no inferno não havia fogo e nem lagos de lava e enxofre, o inferno era simplesmente a ausência de Deus e, chocado, descobriu também que a cegonha não existia. O choque foi tão grande que jurou jamais se casar, e o sexo para ele assumiu a proporção de uma violenta tragédia. Outra descoberta fascinante foi a de que nem todos os padres eram sisudos como os do Colégio Arnaldo, padres também passeavam, contavam piadas, andavam sem batina, cantavam músicas e até conversavam com as meninas! Outro susto veio quando lhe disseram que Deus ria, e não só ele, mas também Jesus, Nossa Senhora e os anjos também.

Agora as advertências quase fascistas dos padres do colégio sobre o fogo do inferno e de que “aqueles” frades eram não só subversivos, mas como eram também a encarnação de Lúcifer, não surtiram efeito em Henriquinho. A visão de uma nova igreja, menos repressiva e mais preocupada com a justiça social foi fator decisivo em seu futuro como cartunista, pois seus medos primitivos haviam se dissipado.

Foi a pedido de Betinho, que Lúcio Nunes arranjou para Henriquinho um emprego na revista Alterosa como revisor, mas Henriquinho era totalmente inábil para a função. A primeira edição da revista que passou pelo seu crivo de revisor saiu repleta de erros, o que fez o editor Roberto Drummond ir à cata do responsável por tantos erros, quando soube que seu “revisor” gastava a maior parte do tempo entretendo os colegas de trabalho com seus desenhos, mandou chamá-lo em sua sala, pois queria ele mesmo ver os tais desenhos que despertavam a atenção de seus funcionários.

E para a surpresa de Henriquinho, ao invés de ser despedido, foi promovido; Iria ser cartunista na Alterosa, e trabalharia no recém-formado departamento de pesquisas. Drummond ainda atacou em lhe dar um nome artístico –Henfil – que foi recebido a contragosto por Henriquinho, que somente o aceitou, mediante ameaça de perder o novo trabalho e que Betinho seria avisado de como ele perdera uma grande oportunidade por capricho.

Mas Drummond estava investindo no talento de Henfil, fornecia a ele revistas com o melhor do humor francês, e o trabalho no arquivo o punha obrigatoriamente em contato com as principais notícias do mundo.

fradim-0030

Logo veio o pedido para que Henfil criasse um personagem fixo para suas tiras e cartuns, e foi então que em 25 de julho de 1964, nasciam os Fradinhos, poucos meses após o famigerado golpe militar dado em 31 de março do mesmo ano. Inicialmente Henfil baseou-se nos dois frades que tanto frequentaram a sua casa: Ratton era baixinho e gordinho, muito engraçado com cara de moleque, já Patrício era alto, magro, narigudo e mais sério. As primeiras tiras dos Fradinhos eram bem inocentes, de um humor bem sutil. Aos poucos a personalidade de cada um dos fradinhos foi-se consolidando, sendo um cada vez mais anárquico e o outro cada vez mais sério. Mas as tiras dos Fradinhos morreram logo com o fechamento da Alterosa.

Contratado pelo Diário de Minas, os Fradinhos renasceram umas quatro vezes no mesmo estilo anterior, até caírem novamente em hibernação.

pasquim-n-350-entrevista-harvey-kurtzman-pai-do-mad-13711-mlb3374519304_112012-f

Do Diário de Minas, Henfil foi para o Jornal dos Sports no Rio de Janeiro e pouco tempo depois em 1969 começou a colaborar com O Pasquim. Já em seus primeiros números, onde trouxe de volta os Fradinhos Cumprido e Baixim, algo neles estava diferente e já não eram aquela caricatura jocosa dos dois frades de sua infância. Os Fradinhos agora eram a voz de sua consciência, do Henfil antigo engessado pelos dogmas religiosos, e do Henfil anárquico disposto a demolir toda aquela paralisia social a qual vivera e ainda estava vigente em outras famílias. Coincidentemente nessa mesma época em que Henfil mudara seu humor e retomava os Fradinhos, os seus amigos frades estavam saindo do convento.

O Frade Baixim ou Fradim, era o porta voz da transgressão, batia em criança, perseguia cegos, jogava velhos e aleijados no chão, escarrava abertamente na Igreja, não perdoava ninguém, era totalmente contra todo tipo de hipocrisia, repressões, etiquetas. Henfil usou o humor negro para representar graficamente o que todos nós éramos. Enquanto as boas normas mandavam respeitar os idosos, os negros, os índios, os homossexuais, e os deficientes, nas “sombras” todos contavam piadas e debochavam deles, e ao fazer o leitor rir descaradamente daquele humor politicamente incorreto, mostrava a sua hipocrisia. Henfil não era preconceituoso ou cruel, ele apenas jogava abertamente ao sol o comportamento escondido e as pequenas maldades que todos nós temos. Já o Cumprido fazia o papel oposto, tentando “civilizar” o Baixim, ou mesmo ajuizá-lo. Mas em nome de quem? Da igreja? Da sociedade? Na verdade as pessoas agiam como o Cumprido, mas no fundo queriam ser como o Baixim.

 

E para obter esse humor, Henfil buscou material dentro de si, afinal ele fazia parte daquela geração. Em pleno governo militar sob a vigência da censura, Henfil produzia propositalmente tiras a mais e algumas delas bem mais agressivas, justamente para serem barradas pela censura, liberando as “mais mansas” para publicação. Além do humor crítico e feroz, os Fradinhos traziam também uma linguagem até então inédita na imprensa, de modo aberto e escancarado; eufemismos camuflados de palavrões conhecidos ou mesmo inventados estavam presentes nos diálogos, como safanagem, baralho, putzgrila, cacilda e o famoso gesto do top-top, que tornou-se a marca registrada do Fradim.

170175

Logo Henfil publicou o Almanaque dos Fradinhos em p/b, formato tablóide trazendo um apanhado das primeiras tiras dos Fradinhos até algumas mais recentes. Mas a publicação sofreu alguns cortes da censura e após alguns anos quando foi republicada em formato prancha, teve todas as páginas publicadas na íntegra.

O sucesso do Almanaque e a receptividade do personagem nas páginas do Pasquim levaram Henfil a criar a revista do Fradim em 1973, reforçada pela presença do Capitão Zeferino, Bode Orelana e a Graúna.

Henfil estava com o joelho bem comprometido devido à hemofilia e, atormentado pela dor, partiu para tratamento médico em New York. Mudou-se para os Estados Unidos não somente pela saúde e – no auge do seu trabalho – ele queria tentar o mercado americano, o que dividiu opiniões entre colegas e amigos. Alguns ofereceram apoio e outros tentavam dissuadi-lo de tal empreitada, por considerarem o mercado americano como algo hermético e inacessível, taxaram-no de petulante por insistir em querer entrar no mercado norte-americano. Entretanto a dor falava mais alto que qualquer opinião.

mad-monks-the-11-17-74

Em New York, Henfil dividia seu tempo entre os hospitais, as aulas de inglês, o fornecimento de tiras e charges para o Pasquim, a revista do Fradim e o envio de originais para diversas publicações norte-americanas. Com a persistência típica de quem acredita realmente no seu trabalho, Henfil aos poucos ampliou o seu leque de contatos até conseguir chegar a UPS – Universal Press Syndicate. O editor norte-americano Jim Andrews adorou o Fradim e em consenso com seu sócio John McMeel, decidiram publicar os Fradinhos, rebatizados como The Mad Monks, um feito inédito para qualquer desenhista/cartunista brasileiro, até então nenhum de nossos artistas, conseguira chegar onde Henfil chegou. Mas isso foi o início do calvário editorial vivido por ele nos Estados Unidos.

Durante três dias na sede da UPS em Kansas City, Henfil trabalhou para adequar a sua arte dentro dos padrões para tirinhas de jornal, reforçou o traço deixando-o menos solto e aplicou retícula cinza nas batinas dos Fradinhos. Quando estava para embarcar no avião de volta a NY, Henfil recebeu um envelope contendo o contrato padrão do Syndicate, e a firme recomendação de que ele apenas assinasse após lê-lo atentamente com um advogado, mas foram necessários dois advogados!

Henfil discordou de alguns termos do contrato iniciando um desgastante embate entre as partes, onde – resumidamente – foram alterados os seguintes itens:

1 – Exclusividade: Todo o trabalho produzido deverá ser feito via Syndicate e somente com a concessão do mesmo. Henfil conseguiu isentar o Brasil desta cláusula.

2 – Todos os direitos de uso de imagem, exploração dos personagens, produções de peças gráficas, TV, cinema, teatro, publicação em outros países, etc.. Somente poderiam ser exercidos com a aprovação do cartunista, com direito a veto de qualquer proposta.

3 – Toda aparição pessoal do artista em rádio, TV e jornais deverá ser feita através do Syndicate, e artista não poderá recusar qualquer convite feito pelo Syndicate para entrevistas ou aparições. Henfil conseguiu deixar com que essa cláusula se referisse apenas as tirinhas dos The Mad Monks.

4 – Caso o Syndicate ache necessário, o mesmo poderá substituir o cartunista na produção das tiras. Henfil concordou, desde que ele aprovasse o novo artista.

5 – Tempo do contrato: 10 anos podendo se prorrogar por mais 10. Henfil conseguiu reduzir para oito anos podendo se prorrogar por mais sete.

Essas mudanças deixaram os empresários estarrecidos, até então os artistas discutiam margem de lucros no merchandising dos personagens e aumento do tempo de duração do contrato. Apenas Bill Waterson – criador de “Calvin e Haroldo” – décadas depois reinvindicou o veto ao merchandising de seus personagens. Henfil queria apenas produzir as suas tiras, ele não queria prostituir o personagem pelas lojas e prateleiras de supermercados, pois a personalidade dos Fradinhos eram dele, e ele recusava terminantemente a se prostituir.

Pediram a Henfil que começasse com tiras mais “leves” para que o público fosse aos poucos se acostumando, das primeiras 72 tiras produzidas apenas 17 foram “aprovadas”, as demais foram consideradas muito sofisticadas ou “doentes” demais. Henfil enviava para o Syndicate tiras que ele não teria coragem de enviar ao Pasquim de tão inocentes que eram, e mesmo assim começaram a adulterar os textos das tiras, para “suavizá-las” mais ainda. Nesse processo, o Fradim foi se apagando cada vez mais, e o Cumprido ganhava destaque, Henfil se sentia mutilado, pois era a persona atual dele que estava sendo censurada, mesmo em tiras copiadas dos tempos da revista Alterosa.

fradim-top-top-top-_-_henfil_-_pasquim_400x400

Em uma semana as tiras dos Fradinhos foram compradas por 10 jornais, estreando em 13 de novembro de 1974, e logo veio a reação dos leitores norte-americanos, que em massa pediam a retirada das tiras, sob a acusação de serem “antiamericanas”, “anti-Deus”, “doentes”, etc..

A polêmica foi tanta que o Chicago Tribune publicou um cupom para votação sobre a permanência ou não das tiras, foram 400 votos contra e apenas quatro a favor. Andrews se sentia embaraçado sem conseguir explicar como que o todo poderoso povo americano não conseguia entender o humor daquele brasileiro do terceiro mundo.  A proposta de se criar uma nova tira com personagens mais “americanizados e engraçadinhos” foi rejeitada na hora por Henfil que acabou por dar a solução: cancelar o contrato, e assim foi feito.

fradim

Henfil que havia suspenso a revista do Fradim no número 06 para se dedicar exclusivamente ao Syndicate e ao Pasquim, decidira retomá-la ao voltar para o Brasil. A revista do Fradim trazia algumas mudanças: o formato prancha e as tiras ganharam um tom mais pessoal nas críticas. Temas como homossexualismo, morte, inferno, sexo, mulheres, repressão policial, traumas sexuais, velhice, etc, ganharam as páginas e os leitores. Produzir as tiras do Fradim exigia muito, afinal não eram meras tirinhas sarcásticas e divertidas, cada edição era uma parte do Henfil que se deitava no divã para todo o Brasil ler e analisar, consequentemente a periodicidade da revista era totalmente irregular. Já não havia mais a necessidade de chocar o leitor, pois este já havia se tornado cúmplice do autor. Um exemplo foi a tara que Henfil tinha por pés de mulheres, e ao colocar o Fradim em êxtase pedindo para ser pisado por uma mulher, a reação dos leitores foi imediata: muitos escreveram compartilhando o mesmo fetiche e leitoras ofereceram seus pés, com direito a fotos dos pezinhos descalços e calçados.

1252363_921

Tudo tem seu fim, e a revista do Fradim foi encerrada por definitivo na edição de número 31 em dezembro de 1980, porém em 1984 pela editora Record, Henfil traz os Fradinhos de volta em um livro: Fradim de Libertação – Henfil do Bofe, reproduzindo algumas tiras clássicas e trazendo muito material inédito. Neste livro Henfil zomba de tudo e de todos, provoca o Diabo e desafia Deus com o melhor do seu humor. Depois disso o Fradim não mais voltou às bancas e livrarias, todos os traumas, medos, conceitos e preconceitos já haviam sido expurgados, Henfil era agora um homem livre, para ser livre ele teve de transgredir todas as regras morais e sociais então vigentes, e o seu passaporte para tal transgressão foi tinta e papel na forma de dois frades, dois fradinhos…

 

Referências bibliográficas:
– Status – Revista Masculina #28 – novembro de 1976 / Editora Três
– O Rebelde do Traço – A vida de Henfil – Dênis de Moraes / José Olympio Editora
– Diário de um Cucaracha – Henfil / Editora Record
– O Bicho #02 – março de 1975 / Editora Codecri

Kripta – O Horror em Preto e Branco

kripta01Por quase quarto décadas os quadrinhos de terror tiveram lugar de destaque nas bancas brasileiras, vivendo o seu apogeu nos anos 60/70 até desaparecerem quase por completo nos anos 80. O gênero horror aportou no mercado editorial brasileiro em meados dos anos 50 com a revista O Terror Negro (julho de 1950), que inicialmente trouxe as aventuras do herói Terror Negro (Nedor).

A partir do nº 09 passou de fato a publicar histórias de zumbis, monstros, vampiros e outros seres do além, sempre em histórias curtas, que em poucas páginas procuravam levar o medo e a apreensão ao leitor. Com o sucesso dessas revistas e a grande quantidade de títulos nacionais de diversas editoras, o fornecimento de material estrangeiro a ser publicado não foi suficiente para suprir a demanda de publicações nacionais, ainda agravada pela queda do gênero nos EUA. Com isso, muitas revistas passaram a publicar parte de suas histórias feitas por artistas nacionais e outras apostaram em publicações 100% nacionais.ec

Esse mercado seguia um modelo padrão de narrativa criada com sucesso pela E.C. Comics; histórias curtas, com bastante violência e desfecho com impactos como”.. e quando olhou para o seu filho, reconheceu em seus olhos o mesmo olhar de seu antigo sócio, assassinado por ele há mais de vinte anos..”.  Esse modelo foi quebrado em 1964 pela Warren Publishing Company que, em plena época de censura aos quadrinhos norte-americanos, conseguiu inserir novamente os quadrinhos de terror no mercado editorial valendo-se de uma brecha nas nefastas regras do Comic Code.

 A adoção do formato magazine (20.5 x 27.5cm) isentava a editora da obrigatoriedade do selo de aprovação do Comic Code, que visava às revistas em formato americano (17 x 26 cm), pois as em formato magazine eram em geral revistas adultas e não consumidas pelos inocentes leitores.74-1

Composta por um excelente time de desenhistas e roteiristas, a Warren Publishing Company apresentou aos leitores uma nova forma de narrativa nas histórias de terror explorando o terror psicológico e nauseante onde a violência chocava o leitor sem provocar repulsa.

Apesar de adotar o formato de histórias curtas, muitas delas tinham continuação na edição seguinte formando arcos e até mesmo séries com determinados personagens. Inicialmente a Warren começou com os títulos Creepy e Eerie, logo depois vieram Vampirella e posteriormente 1984. Outro diferencial era a inclusão de histórias de suspense e ficção científica sempre com roteiros fortes e inesperados.kripta36

O material da Warren permaneceu inédito no Brasil até 1976 onde, até então, predominava a produção nacional e material oriundo de editoras como E.C. Comics, Charlton Comics e mesmo da Marvel Comics (Tales to Astonish, Journey Into Mistery). Quando em Setembro de 1976 a RGE – Rio Gráfica Editora (atual Editora Globo) levou às bancas a primeira edição de Kripta. Idealizada pelo editor Luis Felipe Aguiar, Kripta é até hoje considerada a melhor revista do gênero publicada no Brasil.

Com 68 páginas, capa colorida e miolo em p/b, a RGE investiu também em uma campanha publicitária incluindo rádio e TV, que eternizou a frase “Com Kripta, qualquer dia é sexta-feira, qualquer hora é meia-noite”. Inicialmente a revista trazia histórias publicadas na Eerie e logo mesclou o seu conteúdo com material da Creepy.

Foram 60 edições publicadas entre setembro/1976 a junho/1981. Os desenhistas nacionais Walmir Amaral e José Evaldo ficaram com a incumbência de fazer as releituras das capas originais, todas pintadas, até a edição de nº 35, isso porque a editora não queria pagar pelo uso das capas originais, apenas a publicação das histórias, isso gerou um mal estar com alguns artistas americanos que ao tomarem conhecimento das capas feitas pela RGE, reagiram dizendo que as capas brasileiras eram plágios mal feitos, mas a partir da edição 36 a RGE passou a utilizar somente as capas originais.

Kripta sempre manteve o mesmo número de páginas, mas mudou o formato por duas vezes.  Até a edição 26 adotou um formato intermediário entre o magazine e o formato americano (17 x 24 cm); entre os números 27 e 50 o formatinho (13,5 x 20,5 cm) e em seguida passou para o mini-formatinho (13,5 x 19 cm) até o seu encerramento.kripta47

Enquanto roteiristas como Doug Moench, Archie Goodwin, Al Milgrom, Don McGregor, Roger McKenzie, Bruce Jones, Roger Stern, Nicola Cuti, Bill Dubay, Budd Lewis, Steve Skeates, Dave Sims davam vazão aos seus sonhos e pesadelos, desenhistas como Rich Corben – que recentemente abandonara o pseudônimo de Caza-, Berni Wrightson, José Ortiz, Howard Chaykin, Frank Miller, Neal Adams, Esteban Maroto, Walter Simonson, Steve Bissette, George Pérez, Martin Salvador, Val Mayerik, Alex Niño, Alfredo Alcala, Leopold Sanchez, Paul Neary, Tom Sutton, Paul Gulacy, Jim Starlin, Gonzalo Mayo, Luis Bermejo, Ramon Torrents, Vicente Alcazar, Wallace Wood, Al Williamson, Alex Toth, Jim Steranko, John Severin, Mike Plogg, Angelo Torres, Leo Durañona, Carmine Infantino, Steve Ditko, Jaime Brocal ilustravam com maestria os roteiros recebidos.

As séries mais marcantes publicadas no Brasil foram Os viajantes do horizonte, Gaffer, Hard John’s Nuclear, A Noite dos Dementes, Dr. Archeus, O invasor, Apocalipse, A Múmia, O veleiro esmeralda e a trilogia (“Os demônios de Jebediah Pan”, “Os demônios de Jebediah Cold” e “Os demônios de Nob Hill”). Alguns personagens ganharam o gosto dos leitores como Darklon o místico, Spectro, Hunter, Dax o guerreiro, Coffin e o inesquecível Pi (“Papai e o Pi” e “O Pi e eu”).

A ambientação das histórias era bem variada e não se limitava a um local ou época, explorando o medo pelo desconhecido através de histórias protagonizadas também por criaturas não humanas.  Os clássicos da literatura de horror tiveram o seu lugar garantido como os contos de Edgar Alan Poe (“A Máscara da Morte Rubra”, “Os Crimes da Rua Morgue”, “O Retrato Oval” e “O Barril de Amontilado”), H.P. Lovecraft (“Ar Frio”) e Nathaniel Hawthotne (“O vale das três colinas”) que foram adaptados de forma única e marcante.

Kripta nº26 estreou a seção Cine Kripta com matérias sobre os filmes de terror e ficção em exibição nos cinemas, mas teve vida curta sendo encerrada no nº 32. Em uma época em que não existia a internet ou e-mail, a comunicação entre os leitores era feita através da seção de cartas que ocupava as primeiras páginas da revista. A seção de cartas não se resumia a elogios dos leitores, mas era palco de acaloradas discussões entre defensores e detratores da revista, como o “caso Wellington” com um debate se arrastou por meses. E pela seção de cartas tivemos conhecimento de que a redação chegou a cogitar a inclusão de material nacional nas páginas de Kripta. Entretanto o que aconteceu foi a inserção de algumas páginas com cartuns de humor negro nos superalmanaques feitos por Nilson, Nani, Fernando, Guidacci e Cláudio Paiva.kriptamelhor01

Dos três almanaques publicados, um deles saiu em formato “grande” com uma história publicada em cores – a única em toda a série – e dois em formatinho, com o terceiro intitulado “Almanaque de Kripta erótica”. Já os dois superalmanaques publicados, foram “Humor negro” e “Terror da Infância”, com 132 páginas cada.

Em 1979 os leitores foram brindados com uma edição especial com 164 páginas, em formatinho, que não passou da primeira edição e que, no ano seguinte, mudou para “Kripta apresenta:”, em formato magazine e periodicidade anual; “Kripta apresenta: Vampirella”, uma coletânea das melhores aventuras da heroína publicadas pela Warren; “Kripta apresenta: Edgar Alan Poe” que reeditava todos os contos de Poe adaptados pela Warren.

Houve também um almanaque com a reedição das melhores histórias publicadas em Kripta que trouxe uma história inédita “Terceira pessoa do singular” – escrita por Bruce Jones e desenhada por Luis Bermejo.

A RGE editou também a revista Shock, apelidada de revista-irmã, pois o seu conteúdo também provinha das edições americanas de Creepy e Eerie, mas foi cancelada no quinto número.shock02

 Kripta marcou época pela qualidade das histórias, além de influenciar o mercado editorial brasileiro e alavancar uma nova leva de títulos de horror. Com destaques para Spektro, Pesadelo e Histórias do Além (Vecchi), o selo Capitão Mistério (Bloch Editores) com 10 títulos de horror da Marvel Comics, Calafrio, Mestres do Terror (D-Art) e edições especiais como O grande livro do terror (Editora Argos).

Em junho de 1981 chega às bancas o último número de Kripta, trazendo como brinde o nº 0 da revista 3ª Geração anunciada como a nova “mutação” de Kripta, com o material licenciado pela Marvel Comics, além de entrevistas e seções sobre cinema e literatura fantástica. Apesar de ter retomado o formato antigo, a nova revista não emplacou e foi cancelada na 5ª edição.kripta60

A RGE ainda utilizou do nome Kripta para tentar emplacar três novas revistas sob o selo Kripta apresenta: Dr. Corvus, Fetiche e Pânico, todas em formatinho de péssimo tratamento gráfico, além do fraco material selecionado.

Em 2003 um grupo de desenhistas e roteiristas novatos, fãs da Kripta, colocou no ar o site http://www.ucmcomics.com.br que ao longo de três anos disponibilizaram online sua própria revista de terror nacional, e homenageavam a Kripta tanto no nome quanto no projeto gráfico. O site da UCM atualmente encontra-se desativado, mas pode ser acessado através do site http://web.archive.org.cripta_volume_1_capa

O material da Warren retornou às bancas e às comic shops brasileiras em 2011 através da Mythos Editora e da Devir, que estão publicando respectivamente todas as edições de Eerie e Creepy a partir do primeiro número, em edições encadernadas.

Com isso, novamente qualquer dia é sexta-feira e qualquer hora é meia-noite…

 

Consulta bibliográfica:
http://www.nostalgiadoterror.com/reportagens_1/kripta.htm
http://www.universohq.com/quadrinhos/2006/n18092006_06.cfm
http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=275
http://www.gibihouse.xpg.com.br/rge/warren/warren_rge.html

Almanaque do Humordaz

humordaz0002A história do Humordaz começou no jornal Estado de Minas, mais precisamente em uma pequena coluna assinada pelo Procópio, que aos poucos foi crescendo, quando então a convite vieram os cartunistas Lor e Nilson, além do Dirceu, que se intitulava como frasista.

Tomando cada vez mais espaço na página graças à crescente aceitação dos leitores, o time de colaboradores aumentou com a presença de Afo, Benjamin e Mário Vale, e o resultado foi uma página inteira com o melhor do humor produzido em Minas Gerais, publicada todos os sábados no segundo caderno, batizada como Humordaz.

Dentre os maiores sucessos do Humordaz, mais que os textos do Procópio e as frases do Dirceu, as charges tornaram-se o carro chefe da página. O número de colaboradores crescia cada vez mais: Aroeira, Dirceu, e Clacchi logo entram na equipe.

Dos chargistas, Afo, Lor e Aroeira brilhavam com suas charges envolvendo temas políticos e sociais, em plena era da ditadura militar. A equipe utilizava o mesmo artifício adotado pelo pessoal do Pasquim: Criavam charges “extras” propositalmente mais fortes para serem barradas pela censura, enquanto as outras passavam para a publicação, era a técnica do “boi de piranha”.

Mas uma página semanal era pouco, reunidos periodicamente dentro das galerias do Edifício Malleta, ponto de encontro da boêmia, artistas, jornalistas e intelectuais de Belo Horizonte. Sentados nas mesas do Lua Nova e da Cantina do Ângelo, entre uma cerveja e outra, elaboravam novas charges, discutiam política e principalmente: a criação de uma revista que agregasse todo o trabalho deles de maneira totalmente livre e independente.

Era uma época sem internet, e mesmo o telefone era pouco usado, portanto o que valia eram as cartas e as rodas de amigos reunidos periodicamente de modo quase religioso. Era uma maneira mais humana e calorosa de se ter contato com artistas novos e veteranos, e não raro aconteciam os apadrinhamentos: artistas já firmes no mercado que descobriam novos talentos e os ajudavam nos jornais e revistas para serem publicados, era algo feito com a maior boa vontade.

O nome da revista não poderia ser outro: Almanaque do Humordaz, afinal eles queriam o público leitor que os acompanhavam no Estado de Minas já a quase dez meses, e o nome era o gancho perfeito. Para montar a “Editora Humordaz Sociedade Civil Ltda.” e compor o quadro editorial precisavam de um jornalista para assinar o expediente, e conseguiram isso com Geraldo Magalhães. Nilson que já havia morado e trabalhado com o Henfil, conseguiu dele o editorial para o primeiro número, em um texto que fala sobre a realidade do cartunista/desenhista brasileiro que em busca de espaço para seu trabalho no Rio de Janeiro e em São Paulo (que na época eram os principais centros editoriais do país), encontra a realidade crua a ser enfrentada, principalmente pela concorrência do material estrangeiro distribuído pelos Syndicates por preços irrisórios, tornando impossível uma concorrência. Henfil aponta como solução, as publicações regionais, como o Almanaque do Humordaz.

A imagem que abre esta matéria era para ter sido utilizada como capa para a primeira edição, um trabalho primoroso do desenhista Benjamin, mas com o apoio de alguns colegas, Nilson vetou o uso do desenho para a capa por dois motivos:

1 – Era muito assustadora (para aquela época), e poderia não ser atrativa para os leitores.

2 – Apesar de o Benjamin ter trabalhos publicados no Humordaz, a capa do Almanaque deveria trazer uma ilustração dele, do Afo ou do Lor por serem mais cartunescos.

Sendo assim a questão foi fechada: a capa seria do Afo e do Lor, e o desenho do Benjamin seria utilizado como capa do n° 2.humordaz1

Mas de alguma forma a arte do Benjamim foi publicada na segunda capa da primeira edição sem ao menos uma legenda anunciando-a como capa da próxima edição.

Assim, impressa em off-set, formato 22 x 16 cm, capa em duas cores e miolo em preto e branco, ficou pronta a edição.

O lançamento do Almanaque do Humordaz foi feito no Teatro Marília, com toda a pompa merecida. Somente naquela noite foram vendidos cerca de 400 exemplares, todos devidamente autografados pelos autores.

Uma das idéias do Almanaque era ter a cada edição, um desenhista mineiro já consagrado como convidado especial. O escolhido para a primeira edição foi o Nani, cartunista nascido em Esmeraldas, com ótimos trabalhos já publicados no “Pasquim”.

Pouco tempo depois, uma descoberta: cartuns inéditos do cartunista Carlos Estevão, encontrados por Carlos Felipe nos arquivos dos “Diários Associados”, estava decidida a capa da segunda edição e o convidado especial.hummordaz0001

Eleito mineiro honorário, o pernambucano Carlos Estevão foi devidamente homenageado no Almanaque do Humordaz. Reproduzindo a última entrevista dada por Carlos Estevão, publicada originalmente no “Diário da Tarde” de 04/03/1972, praticamente quatro meses antes de seu falecimento.

Um aviso em forma de carimbo informava aos leitores que a publicação era voltada para maiores de 16 anos, a censura batia na porta. Agora o Almanaque do Humordaz era distribuído nacionalmente, mesmo demorando um mês ou dois, a revista chegou a diversos rincões do país.

O Almanaque do Humordaz fazia troça com a política e a sociedade da época, botando o dedo na ferida sem o menor constrangimento, o que levou a equipe a receber uma sinistra notícia: A partir daquele mês (julho/1976), o almanaque estava sujeito à censura prévia, antes de ser publicado, deveria ser enviado à Brasília pra ser avaliado pelo órgão censor, que determinaria o que poderia ser publicado ou não.

A terceira edição já se encontrava toda selecionada e em processo de diagramação, não querendo se submeter à censura prévia, que iria demandar despesas e atrasos, e a certeza de que o Almanaque não sobreviveria de forma digna após uma passagem por Brasília, ficou decidido o fim do Almanaque do Humordaz.

Acabava o Almanaque nas bancas, mas a página semanal no Estado de Minas continuou por cerca de um ano e meio, alegrando os leitores de toda a Minas Gerais. Assim ao lado de “Araruta” (Porto Alegre), “Casa de Tolerância” (Curitiba), “Uai!” (Belo Horizonte), “O Outro” (Recife), “Cabra Macho” (Natal), “Livrão de Quadrinhos”, “Balão” e “Habra Quadabra” (São Paulo), “Risco” (Brasília) e “O Bicho” (Rio de Janeiro), o Almanaque do Humordaz  ajudou a compor o movimento alternativo do quadrinho nacional dos anos 70.

 

Referências bibliográficas:
http://maisquadrinhos.blogspot.com/2009/08/nilson-o-guerrilheiro-do-cartum.html
http://www.tribunadacidade.xpg.com.br/afo_cidade_nova.html
http://www.rio.rj.gov.br/arquivo/anexo/catalogo_imprensa_alternativa.pdf
http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=562
Almanaque do Humordaz #01 (junho/1976)
Almanaque do Humordaz #02 (julho/1976)
Agradecimento especial ao cartunista Nilson, cujas informações dadas em entrevista, enriqueceram esta matéria.

Seguindo a Trilha do Assassino

lobo1-panini
Por Katchiannya Cunha

Em 2004, a Panini Comics anunciou a publicação no Brasil aquele que ainda é considerado por muitos como um dos melhores mangás de samurai de todos os tempos: Lobo Solitário (Kozure Okami no original).
Três anos depois, o samurai renegado Ito Ogami e de seu filho, Daigoro, finalizaram, no Brasil, a sua longa viagem em busca de vingança contra o clã Yagyu.

Criado em 1970 por Kazuo Koike (roteiros) e Goseki Kojima (desenhos), esse popular e clássico mangá foi um dos primeiros do gênero (excluindo o trabalho do genial Osamu Tezuka) a introduzir os quadrinhos japoneses no mundo ocidental. A saga do Lobo Solitário e seu filhote influenciou uma geração de artistas tanto na Terra do Sol Nascente quanto no lado de cá do planeta.
Publicada pela revista semanal Kodansha, esta série teve 114 capítulos em 14 edições (no Brasil foram 28 edições lançadas pela Panini). Além dos quadrinhos, Lobo Solitário teve, no Japão, seis adaptações para o cinema e duas séries para TV durante os anos 1972 e 2002.

j1

Em linhas gerais, a trama da série é a seguinte:
Na época do Japão feudal, existiam vários senhores feudais que estavam sob as ordens do Shogun, o mais poderoso e importante dentre os senhores feudais. Embora o Imperador ainda fosse respeitado como figura de poder e ascendência divina, era o Shogun quem efetivamente governava o país. Para manter seu domínio, o Shogun designou três famílias para ocuparem os cargos de ninjas, assassinos e executores.

A família Kurokawa ficou com o cargo de ninja, devido à sua própria tradição. Os ninjas eram responsáveis por observar todos os feudos no Japão, incluindo os senhores feudais. Qualquer atitude suspeita era informada ao Shogun. Se algum dos subordinados tramasse se opor, se rebelar ou se voltar contra o Shogun, o clã dos assassinos (título dado à família Yagyu) era acionado e o traidor era prontamente executado. Em princípio, a família Yagyu também mantinha o título de executores. Os executores eram responsáveis por auxiliar os nobres senhores feudais que se arrependessem de sua traição ao Shogun em um ritual chamado harakiri, ou usando um nome mais respeitável, seppuku. O seppuku é um ritual onde a pessoa pega uma lâmina e começa a cortar o ventre, eviscerando-se. Para “aliviar” o senhor feudal ou qualquer outro que fizesse o ritual, o Executor ceifava a cabeça do condenando, deixando uma aba de pele do pescoço sem ser cortada para que a cabeça não rolasse no chão.battle9
Depois de anos mantendo o título de executores, os Yagyu foram substituídos pelos Ogami na tarefa por decisão do Shogun, que realizou um teste envolvendo o samurai Ito Ogami e o mais jovem dos Yagyu, Retsudo. Inconformados com a perda do título, os Yagyu tramaram contra Ito e sua família, forjando provas que levaram o Shogun a crer que Ogami havia lhe traído. Os Yagyu também assassinaram a esposa de Ito, que, mesmo agonizando, deu a luz a Daigoro Ogami.
Assim, Ito parte, juntamente com seu filho, em uma jornada de ódio e violência para limpar seu nome e vingar a morte de sua esposa e de sua família, percorrendo a espinhosa trilha do assassino.

lonewolf1A coleção completa de Lobo Solitário soma mais de 8.700 páginas, distribuídas em 28 volumes. A primeira edição ocidental da obra de Kazuo Koike e Goseki Kojima foi lançada nos Estados Unidos pela First Comics, em 1987, como uma série de mensal, que seguiu o formato americano, número de páginas entre 64 e 128 páginas e ordem de leitura invertida para o padrão ocidental, com capas de Frank Miller e mais tarde por Bill Sienkiewicz, Matt Wagner, Mike Ploog e Lago Ray. Em 1991 o título foi cancelado sem completar a série, publicando menos de um terço da série total.

Em 2000, a Dark Horse Comics começou a publicar a série, completando com o volume 28 em 2002. Reutilizou todas as ilustrações feitas por Frank Miller, bem como várias feitas por Sienkiewicz, e encomendou novas capas a Wagner, Guy Davis, para vários volumes das coleções.

lone_wolf_2100_1_pg_00cvr

Em 2002, Mike Kennedy e Francisco Rui Velasco criaram a série: Lone Wolf 2100, com a participação indireta de Koike. Em um futuro pós-apocalíptico, Daisy Ogami, filha de um cientista de renome, e Itto, protetor e guarda-costas de seu pai, tentam escapar do maléfico regime da Cygnat Owari Corporation. Esta série não foi recebida pelo público, tornando-se um fracasso.

lobo4-cedibraLobo Solitário chegou a ser publicado, de forma bastante descontinuada, aqui no Brasil, primeiro pela Cedibra em 1989. Além de seguir os modelos gráficos, a edição da Cedibra também copiou da matriz norte-americana o destino de permanecer incompleta. A série foi cancelada em 1989, em seu nono número.
No ano seguinte, a editora Nova Sampa retomou a publicação, num formato menor, mas com mais páginas por edição. A nova versão também trazia como novidade as belas capas pintadas por Bill Sienkiewicz. Porém, essa versão almanaquinho seguiu os passos da anterior, sendo também interrompida em seu nono número, que chegou às bancas com uma capa ilustrada por Matt Wagner.
No início dos anos 90, a Nova Sampa ainda insistiu lançando Lobo Solitário como revista mensal, com menos páginas, capas ruins e menor qualidade gráfica, numa tentativa que se encerrou em seu quinto número.

lonewolfO primeiro filme da série do Lobo Solitário foi realizado pela Katsu Productions, e distribuído pela Toho International Co. “Kozure Okami: Kowokashi udekashi tsukamatsuru” de 1972. O diretor Kenji Misumi pediu para que os criadores do mangá, Koike Kazuo e Goseki Kojima, fossem os roteiristas responsáveis pela adaptação. O primeiro filme da série foi muito bem produzido, com direção inventiva e fotografia exuberante e excelente trilha sonora. As cenas de ação são extremamente bem feitas. Neste é contada a origem do personagem que anda com seu filho enquanto ganha a vida como mercenário assassino.
No mesmo ano foi lançado o segundo filme da série: “Kozure Okami: Sanzu no Kawa no ubaguruma”, ainda com a mesma equipe do primeiro longa-metragem, este possui o roteiro baseado em três histórias publicadas nos quadrinhos.
Ainda em 1972 saiu o terceiro filme do Lobo Solitário: “Kozure Okami: Shinikazeni ubaguruma mukau”.
O diretor Buichi Saito pegou a série ainda em 1972, lançando o quarto filme da série: “Kozure Okami: Oya não kokoro ko no kokoro”. Este é um filme mais para os fãs de artes marciais que propriamente para os fãs do Lobo Solitário.
Kenji Misumi volta à direção da série em 1973 com o filme: “Kozure Okami: Meifumando”.
No sexto e último filme da série, “Kozure Okami: Jigoku e ikuzo! Daigoro Daigoro” de 1974, o diretor Yoshiyuki Kuroda não deixa cair à qualidade dos outros cinco e mostra o conflito final entre Ogami Itto e o clã de Yagyu.
O Lobo Solitário ganhou ainda uma versão americanizada em 1980: “Shogun Assassin”, dirigido por Robert Houston e Kenji Misumi. Que nada mais era do que a condensação dos primeiros filmes originais. “Shogun Assassin” chegou a ser lançado em VHS no Brasil como “O Samurai Assassino”.3f5479_1

Lobo Solitário foi levado à TV sob a forma de seriado por duas vezes. Kozure Okami foi transmitido em três temporadas de 26 episódios cada, com 45 minutos de duração cada. Essa série foi exibida no Brasil nos anos 80 pela TVS (atual SBT), como “O Samurai Fugitivo”.
Uma segunda série de tevê foi ao ar em outubro de 2002-2004. Na nova versão Itto Ogami é interpretado pelo conhecido ator japonês Kinya Kitaoji, e seu filho Daigoro é interpretado pelo ator de apenas três anos Tsubasa Kobayashi. A nova série trouxe pequenas mudanças na história original do mangá, num esforço de trazer as aventuras do Lobo Solitário mais perto da realidade.

Surgiram diversas notas na internet de que o mangá ganharia uma versão cinematográfica hollywoodiana e seria dirigida por Darren Aronofsky (Réquiem para um Sonho). O filme seria produzido pela Paramount Pictures e a Mutual Film Company. Mas ao contrário dos ardentes desejos dos fãs da série, o filme não se passaria no Japão Feudal, e sim nos dias de hoje. Nenhuma novidade sobre a produção foi divulgada depois desses rumores iniciais.lobo-solitario-1990-formatinho-02
Por causa de sua imensa popularidade no Japão e seu status cult no Ocidente, Lobo Solitário gerou um impacto duradouro sobre a cultura popular no Japão e em outros lugares. Elencamos abaixo as principais “homenagens” prestadas a essa obra:

. Lone Wolf and Cub também influenciou os quadrinhos americanos, mais notadamente Frank Miller, que incorporou a linguagem de mangá aos seus mais famosos trabalhos como Cavaleiros das Trevas, Ronin e Demolidor.

estrada-para-perdicao-001. Escritor Max Allan Collins reconheceu a influência do mangá Lobo Solitário, em sua graphic novel “Road to Perdition” (Estrada para Perdição – Via Lettera – 2002), em entrevista à BBC, declarou que “Road To Perdition” é uma homenagem clara a Lobo Solitário.

. O game: “Final Fantasy X” apresenta um personagem chamado Yojimbo, que pode ser contratado para atacar os inimigos do jogador. Um de seus ataques é realizado por um auxiliar (neste caso um cão), que atende pelo nome de “Daigoro”.

. O quadrinho “Usagi Yojimbo” (Usagi Yojimbo – Via Lettera – 1999), também tem referências a Lobo Solitário, em dois personagens conhecidos como “Lone Goat e Kid”.

. O álbum “Liquid Swords” do rapper GZA contém vários trechos em áudio de “Shogun Assassin”, incluindo o monólogo de Daigoro, a flauta do tigre caído, e a escolha entre a bola e a espada.

. A canção “Danger! Danger!” da banda britânica Sonic Boom Six contém uma das falas usadas em “Shogun Assassin”, quando os personagens entram na cidade.

. Na conclusão do episódio 22 de “Samurai Champloo”, tanto Itto Ogami e Daigoro aparecem quando um meteoro atinge o solo. Daigoro é mostrado, dizendo: “Olha, um cogumelo!” referindo-se à nuvem de detritos deixados pelo impacto.

. No episódio 24 de “Samurai Champloo”, enquanto o personagem Fuu está perguntando sobre Kasumi Seizou, uma mulher diz que ela foi vista cuidando de Daigoro.

. O volume 2 do filme “Kill Bill” inclui uma cena em que um ex-assassino e sua filha assistem “Shogun Assassin” na TV.

. No romance de Peter David “Tong Lashing”, o personagem Sir Apros, encontra um homem acompanhado pelo filho que, embora não nomeados, tem uma grande semelhança com Itto Ogami e Daigoro.

. O escritor Cormac Mcarthy ‘s em seu livro “The Road”, evoca a principal imagem de Lobo Solitário: um velho empurrando o filho dentro de um carrinho de compras em uma América pós-apocalíptica, repleta de perigos, onde a luta pela sobrevivência é travada a cada minuto.

. Genndy Tartakovsky, criador do Laboratório de Dexter, faz uma homenagem a esse mangá em dois episódios de uma das melhores séries animadas da atualidade e ganhadora do Emmy: Samurai Jack. Em dos episódios da série (episódio XIX), Jack encontra as ruínas de sua terra natal e relembra sua infância. Em uma das cenas, temos a participação de Ogami e Daigoro, numa sensacional cena de luta. Já no episódio LII é o próprio samurai Jack que faz às vezes de Ito Ogami, viajando com um bebê que salvara de um bando de ogros, tal qual o Lobo Solitário faz com seu “filhote” Daigoro.

De qualquer forma, mesmo depois de cerca de trinta anos de seu lançamento, Lobo Solitário ainda é lembrada e reverenciada por suas infinitas e sólidas qualidades artísticas e narrativas. E é exatamente por todos esses motivos que devemos mesmo é nos sentir honrados pela oportunidade de lermos a épica saga e obra-prima de Kazuo Koike e Goseki Kojima.el-lobo-solitario_01

Consulta bibliográfica:
http://maisquadrinhos.blogspot.com/2008/03/longa-jornada-do-lobo-solitrio.html
http://www.gibitela.hpg.ig.com.br/lobosolitario.htm
http://en.wikipedia.org/wiki/Lone_Wolf_and_Cub

O Bicho

bicho-01

“Este é o bicho que avisamos que vai pegar:

Gordo de 32 páginas.

Grampeado no lombo.

De cor variável por fora

E preto e branco por dentro.

Enfim, um bicho de papel.

Mas de espécie nunca vista, inteiramente inédita por estas bandas: uma revista de HQB. Histórias em Quadrinhos Brasileiras.

Para adultos, de jovens para cima.

Quadrinhos cômicos e sérios, cartuns, desenhos de humor e desenhos.

Os melhores daqui e de agora, daqui e de fora, nunca esquecendo os daqui de ontem.

O Bicho é isso aí, ou é isso aí, bicho. Nenhum bicho específico, mas no sentido geral.

Bicho de criação, bicho carpinteiro, bicho de sete cabeças. De fato, O Bicho já estava por aí, no ar, no solo e subsolo, desmontado mas novo em folha, faltando só juntar as partes, para se apresentar inteiro e poder conquistar, pela qualidade, o título de Bicho de estimação.”

Com esse texto de apresentação, o cartunista Fortuna dava as boas vindas ao leitor na primeira edição de O Bicho. Em meados de março de 1975, dois meses após a distribuição gratuita do n° zero, chegava às bancas a primeira edição de O Bicho.

Conta a lenda que, na época em que Fortuna se preparava para lançar sua revista, Luiz Gê foi conversar com ele e ficou muito satisfeito em saber que o veterano cartunista estava se baseando na experiência da Balão como orientação do seu projeto. Luiz Gê teria dito: “Gostei de ouvir isto! O que me assegura que entramos para a história”.

Lançado pela editora Codecri (Comitê de Defesa do Crioléu), e editado por Fortuna, com uma tiragem de 15 mil exemplares, O Bicho chegou às bancas trazendo a nata dos cartunistas da época, além de resgatar trabalhos antigos de cartunistas e desenhistas brasileiros. Havia espaço também para o material estrangeiro, devidamente selecionado, privilegiando artistas pouco conhecidos por aqui.

A importância desta revista encontra-se no fato de que, trazendo aos quadrinhos a questão do experimentalismo da linguagem – ela veiculava histórias produzidas no intuito de bater de frente com as antigas concepções estéticas baseadas nas HQs enlatadas que eram trazidas ao país até então, além da crítica ao moralismo presente em nossos costumes.

DISSECANDO “O BICHO”

bicho-05Contando com Luiz Gê e Miguel Paiva como colaboradores internacionais, a equipe principal de colaboradores da revista, já tinha passagem pelas páginas dos jornais Pasquim e Pingente, respectivamente: Nani, Coentro, Guidacci, Fortuna, Mollica, Duayer, Laerte, Dirceu Amádio, Paulo Caruso e Crau também marcaram presença, sendo que alguns deles já colaboravam com a revista Balão.

Aos poucos o time aumentou: Mariza, Michele, Luscar, Lapi, Chico Caruso, Miguel Paiva, Redi, Geandré, Luiz Fernando Veríssimo, Nilson, Canini, Parrot e Fausto.

A revista trazia sob o título o lema: “Cartuns e Quadrinhos não enlatados”, o que dava lugar a artistas como Quino, Roger Brand, Crumb, Wolinsky e Mary Kay Brown, entre outros, lugar garantido em suas páginas.

bicho-02

O Bicho teve vida curta, apenas oito edições, sendo seis editadas pela Codecri e as duas últimas pela EMEBE Editora Ltda. A cada edição trazia uma matéria especial sobre quadrinhos antigos, resgatando a memória de artistas como  Seth, Luiz Sá, Carlos Estevão. Mas foi na segunda edição, que O Bicho publicou com exclusividade, todos os detalhes da batalha do Henfil para publicação do Fradim nos Estados Unidos. Mostrando o modelo do contrato padrão da UPS, com as devidas alterações feitas pelo Henfil, curiosamente anos depois Bill Waterson (Criador de Calvin & Haroldo), se valeu de praticamente as mesmas exigências em seu contrato com a UPS.  Essa matéria nunca foi totalmente reproduzida em nenhuma outra publicação, tornando-a leitura obrigatória a todos os leitores.

bicho-03Na terceira edição, Fortuna foi até o Sanatório Azevedo Lima entrevistar o desenhista Luíz Sá, que se encontrava internado para tratamento de tuberculose. Nessa entrevista, Luiz Sá fala de toda a sua carreira, inclusive sobre os seus desenhos animados. Através desta entrevista, um colecionador identificou ter em seu acervo parte das películas originais de um de seus desenhos animados, e dois meses depois, O Bicho reproduziu em suas páginas, as imagens dessas películas.

bicho-04

Na quarta edição, foi resgatada uma série de tiras produzidas em 1948, desenhadas por Carlos Estevão e escritas por Millôr Fernandes ( que na época assinava como Vão Gôgo). Publicadas no Diário da Noite: “Ignorabus, o Contador de Histórias” era totalmente diferente das tiras convencionais da época, brincando com os recursos da metalinguagem e do non-sense, a tira terminava propositalmente em um loop de flashbacks.

bicho-06

A sexta edição de O Bicho, que foi a última editada pela Codecri, publicou uma hq de ficção científica chamada: “A Terra”, escrita por Dirceu Amádio e ilustrada por Leo (Luiz Eduardo de Oliveira). Dirceu Amádio que já era colaborador da Balão, anos depois veio se tornar empresário do setor metalúrgico, e foi reconhecido em 2001 como um dos empresários que mais investiu no setor cultural. Enquanto isso Leo, passou a viver na frança, onde se consagrou como desenhista, admirado mundialmente pelos álbuns da série Aldebaran (publicados no Brasil pela Panini  – maio/2006). Leo em entrevista publicada na revista Wizmania # 42 (panini – março/2007), declarou não ter sido pago pelos editores, pela história publicada em O Bicho, de fato nessa fase com as contas apertadas, praticamente nenhum colaborador recebeu qualquer pagamento, pois as vendas mal pagavam os custos e a falta de anunciantes levou Fortuna a abrir uma empresa fantasma para anunciar no Bicho e com isso tentar atrair anunciantes reais para a revista.

bicho-08

A oitava e última edição de O Bicho, trazia a  quadrinização da música “Chiquinho Azevedo” (Gilberto Gil – 1976), com o roteiro elaborado por Fortuna e ilustrada por Crau. Reproduzia também uma nota do JB, que comemorava o acordo entre Maurício de Souza e a Warner, para a publicação das tiras do Pelezinho (outubro/1976), e que em menos de um ano ganhou revista própria na Editora Abril (agosto/1977).

E foi assim que em novembro de 1976, O Bicho apareceu pela última vez nas bancas, apesar de poucos números lançados, tornou-se ao lado da Balão, um dos marcos editoriais que abriu caminho para novos artistas, formulações temáticas e críticas com total liberdade aos autores. Somente dez anos depois tivemos uma nova publicação nestes moldes: Circo (outubro/novembro – 1986), mas isso é assunto para outra matéria.

Consulta bibliográfica:
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/Enc_Artistas/artistas_imp.cfm?cd_verbete=3855&imp=N&cd_idioma=28555
http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=562
http://midia-radical.blogspot.com/2008/08/imprensa-alternativa.html
http://blogln.ning.com/profiles/blogs/o-pasquim-quarenta-lances
http://br.groups.yahoo.com/group/EuroQuadrinhos/message/1626
http://lambiek.net/artists/l/leo.htm
http://jornalivros.co.cc/?p=235
http://www.guiadosquadrinhos.com/thumb.aspx?cod_tit=bi212100&esp=&total=9
Agradecimento especial ao Fábio Dark pelo scan das entrevistas.

A Saga de Xam

5845780_c14a4ce131_o

Mesmo com um exemplar em mãos de Saga de Xam, não foi fácil escrever sobre este álbum, que foi a primeira HQ a ganhar o status de arte pelos críticos e publicações da segunda metade dos anos 60. São poucas e dispersas as informações disponíveis na rede sobre a obra e seus autores.

Em 1962 a revista “V-Magazine” começou a publicar Barbarella,de Jean-Claude Forest. O erotismo de Barbarella era algo novo para o quadrinho francês, que gerou certa polêmica. Então em 1964 o editor Eric Losfeld publicou Barbarella em formato álbum, e que causou escândalo pelo seu conteúdo criando o gênero “adulto” pela primeira vez para um livro em quadrinhos,mesmo com seu erotismo leve e da existência das Tijuana Bibles” antes desta data.

eric

Com o sucesso de Barbarella, em 1964 Losfeld decidiu expandir suas publicações penetrando no então novo mercado de quadrinhos adultos. Na França, os quadrinhos em formato de revista ou tiras eram considerados como voltados ao público infantil, podendo sofrer vetos da censura da época em todo mundo, devido ao famigerado “Comic Code”, que para evitar problemas com o mesmo, Losfeld valeu-se de uma brecha na lei de que não havia qualquer tipo de veto previsto para edições em formato magazine ou livro. Apesar de serem mais caras eram bem distribuídas tornando-se de fácil acesso aos leitores. O resultado desta abordagem permitiu o sucesso de outros títulos através de sua editora, a “Le Terrain Vague”, cujos principais títulos foram:

Barbarella, de Jean-Claude Forest – 12/1964

Lone Sloane, de Philippe Druillet – 01/1966

Scarlett Dream, de Gigi e Molitern – 06/1967

Jodelle, de Pascal Thomas e Guy Pellaert – 10/1967

Saga de Xam, de Jean Rollin e Nicolas Devil – 12/1967

Pravda, de Pascal Thomas e Guy Pellaert – 01/1968

Epoxy, de Jean Van Hamme e Paul Cuvelier – 04/1968

Valentina, de Guido Crepax – 01/1969

Phoebe zeit-geist (les aventures de), de Michael O’Donoghue e Frank Springer – 07/1969

Cyber (Les aventures de), de Gérard Nery e Jean-Claude Poirier – 10/1969

Xiris, de Serge San Juan – 02/1970

Kris Kool, de Caza – 11/1970.

img_0010

Publicada em dezembro de 1967 por Eric Losfeld, Saga de Xam é um dos mais raros e autênticos exemplos de quadrinhos psicodélicos, o que representa inúmeras atividades culturais características da segunda metade dos anos sessenta.

Narrado em um misto de ficção científica e erotismo, Saga trata de problemas raciais, violência e não-violência. Uma extraterrena encarregada pela Grande Senhora do Planeta Xam vem à Terra em épocas diferentes, para aprender sobre o passado de violência e sobrevivência da raça humana, e estabelecer uma proteção psíquica contra os invasores do seu planeta. Mas na Terra deixa-se seduzir e adquire os vícios dos homens e, fascinada pela força e poder, deseja tornar Xam um planeta forte e vigoroso, mas sem violência.

As belas pranchas de “Saga de Xam” foram originalmente desenhadas em formato grande, acima do padrão usual, onde além dos desenhos foram escritos diálogos e legendas em letras minúsculas.

Impresso em papel de 300 gramas, com tiragem limitada em 5.000 exemplares, e nunca reimpresso, tornou-se extremamente rara e tem sido um dos álbuns em quadrinhos mais procurados por colecionadores em todo o mundo.

jean_rollin

Escrita pelo cineasta e roteirista francês Jean Rollin – Jean Michel Rollin Le Gentil – como um dos pioneiros no gênero terror-erótico, focou sempre no surrealismo através de imagens sensuais e macabras em seu gênero favorito: Vampiros.

Saga de Xam, foi a sua primeira e única experiência como escritor no gênero das HQ’s. O erotismo apresentado foi um ensaio do que ele iria aplicar futuramente em seus filmes. Mais tarde escreveu dois artigos para a revista “Midi-Minuit Fantastique” editada por Eric Losefeld, e em 1993 publicou o romance “Les Deux Orphelines Vampires”, que posteriormente virou filme.

img_0003

Nicolas Devil (Nicolas Deville), trabalhava com Rollin auxiliando-o em seus curtas-metragens, que ao notar o seu talento como desenhista, incentivou-o a procurar Eric Losfeld com a proposta de um álbum feito por ambos. Na editora acabaram por conhecer o desenhista Philippe Druillet que colaborou na arte do álbum e que, posteriormente, ilustrou os cartazes dos filmes de Rollin.

A arte de Devil foi sem dúvida alguma a razão do sucesso de Saga de Xam, que se valeu do uso da técnica de cadavrequix*, com a participação dos seguintes artistas: Phippe Druillet, Barbara Girard, Merri e Nicolas Kapnist. Nunca antes o uso da metalinguagem foi utilizado de forma tão ampla como neste álbum, em que cada capítulo tem sua peculiaridade nos símbolos, cores, desenhos e textos, sem perder o fio condutor da história.

img_0005

Diversos diálogos foram escritos em trës códigos diferentes, e ao final do álbum foi dada a equivalência de cada símbolo conforme nosso alfabeto. Para os textos escritos em caracteres minúsculos, e auxiliar a sua leitura, ao comprar o álbum o leitor ganhava uma lupa como brinde.

Nicolas Devil conseguiu conjugar os principais estilos gráficos e artísticos que estavam em voga nos anos sessenta, para compor esse álbum que sintetiza o que havia de melhor na vanguarda da pop-art até então, e ainda, com essas imagens, contar uma história que com seu texto expressava toda a filosofia de paz e amor

img_0002

Eric Losfeld faleceu em 1979, e sua esposa Pierrette deu sequência ao seu trabalho, dando lugar posteriormente a sua filha Joelle. Nicolas Devil, cujo único trabalho registrado é Saga de Xam, vive hoje no interior do Canadá onde trabalhou como professor de filosofia.

 

* Técnica adotada por artistas surrealistas para provocar a livre associação de imagens fora do contexto habitual. Trata-se de um jogo gráfico sobre papel dobrado. Consiste na realização de um desenho coletivo, sem que nenhum dos intervenientes saiba o que os outros fizeram, aproveitando apenas os traços de ligação deixados sobre as dobras do papel. Ao desdobrar, verifica-se, com surpresa, a relação inesperada entre as figuras desenhadas.
Pelo seu caráter insólito, humorístico ou até provocativo, esta técnica proporciona resultados mais surpreendentes se o desenho for intencionalmente figurativo. Sugere-se que os trabalhos sejam pintados pelo grupo, numa 2ª etapa, já depois de observado o conjunto das ligações gráficas, cujo resultado foi imprevisível. A cor funcionará como elemento de ligação, tornando o desenho mais nítido.
2522459060103319171s425x425q85
http://it.wikipedia.org/wiki/Saga_de_Xam
http://intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/errata_2001_1.pdf
http://www.answers.com/topic/jean-rollin
http://www.ciencia-ficcion.com/comics/lonesloane.htm
http://pilsenoubock.blogspot.com/2007/08/breve-apanhado-da-histria-dos.html
http://fr.wikipedia.org/wiki/%C3%89ric_Losfeld
http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/cd/…/historia%20da%20midia%20visual/GT%20Midia%20Visual%20Flavio%20Calazans.doc
http://www.bdabd.com/bdxm/editeur/eric.losfeld/detail.bdabd
http://www.coolfrenchcomics.com/pravda.htm
http://www.shockingimages.com/rollin/interview.htm
http://cadavreexquis.com.sapo.pt/
http://www.bedetheque.com/

Tubarões Voadores – A HQ Que Virou Música

capa

Não é novidade que os quadrinhos e a música tem andado de mãos dadas há muito tempo, no HQ Press publicado em Sandman #07 (Editora Globo, maio/1990), Sidney Gusman elencou os principais “flertes” destas duas artes:

– Músicas / músicos / bandas que viraram quadrinhos.

– Personagens de quadrinhos que inspiraram letras de música.

– Citações de músicas nas hq’s.

Diversas bandas utilizaram os quadrinhos em seus encartes para ilustrar suas músicas como a banda Kães Vadius no álbumPsychodemia” (Ataque Frontal – 1987), onde o encarte era uma gigantesca HQ que amarrava todas as letras em uma única história. Mas os méritos para a primeira HQ a virar música pertencem a “Tubarões Voadores” de Arrigo Barnabé e Luis Gê.

arrigo_barnabe2copia

No início dos anos 70 na USP, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, dois colegas de curso: Arrigo Barnabé e Luiz Gê iniciavam suas carreiras. Enquanto Luiz Gê publicava seus primeiros trabalhos, Arrigo Barnabé começava a traçar o seu caminho que o levaria a ser o porta-bandeira do movimento musical chamado “Vanguarda Paulistana”. Arrigo era recém chegado na cidade de São Paulo, e Luiz Gê foi quem o guiou pela cidade revelando os detalhes ocultos da narrativa urbana que somente São Paulo possui, narrativa essa que ele empregava em seus quadrinhos, cuja paixão contagiou o colega.

clara-crocodilo-500x5001

Em 1980, Arrigo Barnabé após um desentendimento com a gravadora Polygram, lança de forma independente o seu primeiro LP, o álbum “Clara Crocodilo(15 de novembro de 1980), cuja arte da capa foi feita por Luiz Gê. “Clara Crocodilo consagrou a influência que Arrigo teve das HQ’s. Das oito faixas do disco, seis descrevem tipos e situações da noite paulistana, enquanto as outras duas faixas, narram o surgimento do anti-herói mutante Clara Crocodilo, que enfrenta cientistas inescrupulosos e a própria polícia. Era a linguagem dos quadrinhos transposta para a linguagem musical.

1209242724wev3vzz

Em 1984 sob contrato da gravadora Ariola (que pouco tempo depois foi comprada pela Polygram), Arrigo Barnabé recebeu sinal verde para produção de um novo disco, que inicialmente se chamaria “Crotalus Terrificus” cuja arte da capa e encarte foram encomendadas ao amigo Luiz Gê. Os primeiros esboços para a arte da capa eram de uma cobra na forma de uma clave (coincidentemente o segundo LP de Itamar Assumpção lançado na mesma época utilizou uma arte semelhante em sua capa). Um dia Luiz Gê recebeu a visita de um amigo em sua casa, onde este ao observar um pôster dos Tigres Voadores (esquadrilha aérea composta por aviadores americanos, cuja característica visual em seus aviões P-40, era uma enorme boca de tubarão pintada), deu a idéia de uma HQ protagonizada por eles, porém dentro da cidade. Imediatamente Luiz Gê estalou a idéia de ao invés de aviões, seriam tubarões, tubarões voadores e iniciou os esboços de modo tão frenético que deixou o amigo pasmo. Nos dias que se seguiram, foi-se montando o roteiro da história e acertando os detalhes, até finaliza-la.

tubaroes-p1

Quando Arrigo Barnabé foi em seu ateliê para tratar sobre o disco novo, viu a HQ dos tubarões e disse: “Ah!! Luis Gê, vou musicar essa historinha e o disco vai chamar “Tubarões Voadores”. O que era um antigo projeto de ambos, fazer uma HQ com trilha sonora se concretizou naquele momento.

Medindo o tempo de leitura de cada quadrinho, Arrigo Barnabé foi musicando quadro a quadro, obtendo um resultado surpreendente, algo inédito até então. Redefinindo o nome do álbum para Tubarões Voadores cuja faixa-título abria o LP, manteve a HQ completa sob a forma de encarte do álbum.

08_volta4_04

Lançado em 1984 numa parceria da Ariola/Barclay, que levou Arrigo Barnabé a obter reconhecimento internacional, e foi eleito pela revista Jazz Hot como um dos melhores álbuns do mundo, pois ali ele repetia a receita utilizada em “Clara Crocodilo”: o uso da linguagem dos quadrinhos em sua música.

O show “Tubarões Voadores”  viajou o Brasil, em um espetáculo completamente teatral, com um cenário inovador, onde chamava a atenção uma rampa por onde descia um carro em alta velocidade. A produção do espetáculo não contratou Luis Gê para conceber os cenários, figurinos e a iluminação, tendo um resultado bem aquém da HQ.

tubaroes-p2

Em 1999 o álbum Clara Crocodilo foi lançado em cd, pouco tempo depois foi a vez de Tubarões Voadores, onde para se adequar ao formato do cd, Luiz Gê teve de reestruturar o encarte com a HQ. Hoje esses cd’s se encontram fora de catálogo.

arrigotuba-3

Enquanto em Clara Crocodilo tinha-se um anti-herói pelos esgotos e subterrâneos de São Paulo, em “Tubarões Voadores” ganhamos enormes tubarões voando sobre as ruas, devorando adultos e crianças. Ali Luiz Gê através dos tubarões, sintetizou todo o medo e paranóia da classe média daquela época em que a falta de segurança e o medo eram ditados desde o “comer manga com leite faz mal”, aos esquadrões da morte, dos condomínios fechados com guardas particulares ao cidadão comum que se tranca dentro de seu apartamento e dirige o carro vedado com insulfilm se isolando dos demais habitantes, por não se sentir seguro. Onde um passo em falso, uma janela aberta na hora errada, pode resultar em uma absurda tragédia. A HQ começa em tom de humor, humor negro, diga-se de passagem, evoluindo para o puro terror, onde a violência é mostrada sem glamour ou justificativa, entre cada ataque dos tubarões são mostradas cenas de violência urbana cotidianas de qualquer cidade: acidentes, mutilações, crimes, atropelamentos e suicídios. Tudo isso se encerra com a cena final de um corpo sendo dilacerado por vários tubarões sob a legenda: “Pois no coração do prudente, repousa a sabedoria”.

05_volta1

Para transpor para a música todo esse clima de terror e medo, Arrigo Barnabé dividiu os vocais com Vânia Bastos, e introduziu a superposição de vozes e instrumentos em tonalidades diferentes para criar a percepção de profundidade do desenho, dando a ilusão de movimento. A utilização de citações musicais (ciranda, cirandinha) ajudam a dar clima à cena, e a HQ reforça a dimensão sangrenta e dolorida, tornando visualmente impossível escutar a música de maneira entorpecida.

A HQ foi “republicada” no jornal independente Extra, e nos livros Território de Bravos(Luiz Gê – Editora 34 – 1993) e em “Análise textual da história em quadrinhos: uma abordagem semiótica da obra de Luiz Gê– Antônio Vicente Pietroforte e Luiz Gê (Editora Annablume – setembro/2009), onde além da HQ original, Luis Gê também reproduziu uma outra HQ nos mesmos moldes feita sob encomenda por Arrigo Barnabé para a ópera “O Homem dos Crocodilos”.

Agora, tranquem portas e janelas, coloquem os cadeados nos portões e acompanhem agora o vídeoclip não-oficial de “Tubarões Voadores” feito pelo fã Jeffin.

Consulta bibliográfica:
http://bethsalgueiro.multiply.com/journal?&page_start=20
Façanhas às próprias custas: a produção musical da Vanguarda Paulista (1979 – 2000) – José Adriano Fenerick
Revista Graffiti 76% Quadrinhos # 04 (1998)
Trilha Sonora: Topografia semiótica paulistana nas canções independentes das décadas de setenta e oitenta – Fátima Amaral Dias de oliveira (janeiro/1990)

Nasce o Super-Homem

superman1

Quando a criação máxima de Jerry Siegel e Joe Shuster: o Super-Homem completou 75 anos. Muito se falou sobre a sua trajetória através de todos esses anos, as brigas na justiça pelos direitos autorais, as eternas reformulações do personagem, os desenhos, seriados para tv e cinema, e os filmes de longa metragem.
Mas como isso tudo começou? Qual foi a fonte de inspiração de Jerry Siegel e Joe Shuster? Como tudo começou? Para responder a essas perguntas voltemos no tempo:

O pai de Jerry, Mitchell Sieger morreu assassinado com dois tiros dentro de sua loja, vítima de um assalto. Um crime que nunca foi resolvido, em conseqüência disso o padrão econômico dos Siegel fora fortemente abalado, recebendo ajuda de familiares, Sarah Siegel manteve como pôde sua família. Jerry Siegel era seu eterno bebê, passava a maior parte do tempo em casa na companhia da mãe sonhando com homens que declaravam guerra ao crime e estavam acima de qualquer necessidade e acima da dor.

Ainda adolescente com desempenho fraco nos estudos, começou a participar do jornal semanal de sua escola “The Torch”, alimentando o sonho de um dia se tornar repórter. Lois Amster que fazia parte da equipe editorial foi vencedora do título da “mais popular”, ganhando entre os colegas de redação o apelido de “Petite Lois”.

Os desenhos de Joe Shuster impressionaram o editor do jornal de sua escola, que nada mais era do que Jerry Fine, primo de Jerry Siegel. Ao dizer que iria se mudar para a Glenville High School, Fine o recomendou que procurasse Jerry, pois tinha certeza de ambos iriam se dar bem, e assim se deu início ao contato e futura parceria com Jerry Siegel

1330535552bt12_34bc

Em meados dos anos 20 o fisiculturismo entrava em voga, Bernad MacFadden editor da revista Physical Culture, promoveu em 1922 o fisiculturista Angelo Siciliano ou Charles Atlas, como “o homem do corpo mais perfeito do mundo”. Atlas foi ídolo de Joe Shuster que desejava desenvolver seu raquítico corpo, apesar das zombarias de Jerry.
O visual de Charles Atlas influenciou visualmente personagens como Tarzan, que aparecia nas capas dos pulps trajando uma pele de animal no mesmo estilo que Charles.

Quando Buck Rogers estreou sua tira diária nos jornais, Jerry detectou o plágio da história sobre o romance Armageddom 2499 AD – Philip Nowlan, publicado nas páginas de “Amazing Stories”, enquanto Joe vislumbrou o mercado como desenhista, já que o desenhista do título era um garoto pouco mais velho do que ele.

Em 1929, Jack Williamson, correspondente de Jerry Siegel, escreveu o romance The Girl From Mars, onde um alienígena em nosso planeta era dotado de poderes superiores aos de um homem normal.

Em 1931 o primeiro número da revista do Sombra, esgotava-se nas bancas, abrindo caminho para outros heróis sombrios na luta contra o crime, Agente Secreto X-9 e Dick Tracy antagonizavam com o pueril estilo de Zorro e Pimpinela Escarlate, fomentando as fantasias de Jerry, mesclando com o seu gosto pela ficção científica.

Com o sucesso dos desenhos de Harold Foster na primeira versão em quadrinhos de Tarzan. Foster deu vida ao corpo másculo, dotando-o de dinamismo, beleza e agilidade, tornando-se um ícone de admiração de leitores masculinos e femininos. Joe e Jerry, vendo isso (afinal eles também eram admiradores do trabalho de Foster), começaram a traçar a trilha para uma tira de sucesso.

sci_fi_schuster2

Às vésperas de completar 18 anos, Jerry anunciou nas páginas do The Torch o lançamento de sua própria revista: “Science Fiction: The Advance Guard of Future Civilization”. O anúncio prometia em suas páginas escritores conhecidos e um grande investimento em propaganda, mas o preço era ousado: 0,15 cents, 50% a mais do preço cobrado pelo fanzine The Time Traveller, que possuía uma qualidade gráfica surpreendente. Mas na verdade, o grande time de escritores anunciado por Jerry era composto quase por completo por apenas ele e Joe, que se revezavam em diversos pseudônimos para produzir a revista.

Foi produzindo a coluna de resenha de livros, que Jerry conheceu um livro que deu um rumo novo a suas ideias: “Gladiador”, de Philip Wylie.
Gladiador era um mito sobre o homem superior e a sociedade medíocre que destruía tudo aquilo que poderia vir a beneficiá-la, em troca de um conforto imediatista e conformista: Um biólogo, utilizando os recursos da eugenia transforma o próprio filho: Hugo Danner, no protótipo do homem perfeito: invencível, de força e vitalidade além do comum, e dotado de uma superioridade moral inata.
Ao atingir a idade adulta, decide ir de encontro à civilização para ajudar o mundo e os seus semelhantes, mas ele encontra uma humanidade mesquinha, onde marginais o desafiam em lutas constantemente, é pressionado pelo exército a participar de uma guerra desleal e mercenária, as mulheres se atiram aos seus pés em gestos fúteis e interesseiros, é explorado por um agenciador de lutas de boxe.

gladiator Gladiador foi o último catalisador que Jerry precisava, como apontam os seguintes trechos do livro: “Faço algumas coisas que me assustam, pai. Consigo saltar mais alto que uma casa, consigo correr mais rápido que um trem.” Ou quando Hugo em meio ao campo de batalha, descobre que as balas não furam sua pele, e tiros de maior calibre como o de um canhão, não fazem mais do que apenas derrubá-lo momentaneamente. Mais tarde, a fim de se acostumar com seus superpoderes, Hugo constrói uma fortaleza solitária em meio à floresta.

Tudo isso aliado a certas características dos personagens: Tarzan e John Carter de Marte, ambos criados por Edgar Rice Burroughs. Eram os mais fortes e nobres exemplos de como o ser humano deveria ser, dotados de uma superioridade inata que lhes dava comando de qualquer mundo ou ambiente que adentrassem.
Com a mente fervilhando e com os desenhos de Joe Shuster, Jerry Siegel escreveu: The Reign of the Superman, uma novela futurista em nove páginas datilografadas.

reign

Em breve sinopse podemos narrar o texto de Siegel: Numa reflexão às conseqüências da grande depressão de 1929, que inundou as ruas dos EUA de desempregados e famintos, que surge o primeiro cenário do romance. Onde o professor Smalley observa os moribundos na fila de sopa, e escolhe um deles (Dunn) ao acaso para ser cobaia em um experimento. Injetando no corpo do andarilho uma substância encontrada em um meteoro, este adquire um poder mental surpreendente, capaz de ouvir os pensamentos das pessoas a sua volta, Dunn acaba fugindo semi-enlouquecido com o choque dos novos poderes.
Sua mente começa a clarear gerando uma sede de conhecimento, os livros da biblioteca nacional não suprem sua necessidade, levando-o a uma fúria irracional cada vez mais crescente. O professor Smalley observa aturdido o crescimento de fúria e poder de Dunn, em breve nada poderá dete-lo, e para que ele não domine o mundo, terá de ser morto, mas Dunn o mata primeiro, não antes de Smalley enviar uma carta-testamento ao principal jornal da cidade.
Com pleno domínio do poder de controlar a mente das pessoas, Dunn inicia seu plano de domínio mundial ao incitar ódio entre os membros do Conselho Conciliatório Internacional, para que cada país lance seu exército contra o outro até a total aniquilação do poder bélico mundial.
O repórter Forrest Ackermann tenta enfrentar o super-homem, porém sem sucesso, e na eminência de sua morte faz uma prece silenciosa pedindo o fim para tal tormento.
E então quase que por milagre a face de Dunn começa a mudar: o soro estava perdendo o efeito! Para num arrependimento tardio se lamentar por entrar para a história como uma maldição e não como uma benção.

Jerry Siegel não era religioso, o conceito da intervenção divina veio também por inspiração de Wylie.
Semanas depois de sua publicação, os olhos de Siegel se arregalaram ao ler uma propaganda estampada nas últimas páginas de The Shadow: SUPER-HOMEM, logo abaixo, a figura de um homem musculoso lutando contra um atirador, seguido pela legenda: Doc Savage – mestre da mente e do corpo.

704_1066_5Doc Savage também se inspirara em Gladiator. A criação de Lester Dent era o protótipo do homem perfeito: corpo musculoso de pele cor de bronze, cultivados artificialmente em um laboratório, Savage falava qualquer língua deste planeta, sabia manejar qualquer arma e pilotar qualquer máquina, possuía conhecimentos avançados em física, química, biologia e mecânica, tinha uma resistência física excepcional, e graças a uma dieta especial seu corpo envelhecia lentamente, e periodicamente ele se isolava na Fortaleza da Solidão, sua base secreta localizada no Ártico, de onde planejava sua próxima empreitada, seguia os mesmos passos de seu pai, falecido em circunstâncias misteriosas.
Para Siegel o conceito de um super-homem, que anteriormente era um mero clichê sobre força e poder, ganhara agora o foco do herói.
A catarse final se deu em março de 1933 com a revista Detective Dan, editada pela Humor Publishing, que era uma cópia mal feita de Dick Tracy, porém tinha um diferencial: Aquilo era o trabalho autoral de um jovem desenhista como Shuster e Siegel. A má qualidade da publicação decretou sua morte prematura, mas Siegel com um exemplar nas mãos procurara Shuster, pois aquele matéria não era melhor do que o que eles haviam fazendo, “Nós podemos fazer isso!” disse Siegel.
Em sua mente, o quebra-cabeça se montara: iriam escrever e desenhar uma tira de ação com um herói criado por eles mesmos, e vendê-la a Humor Publishing, mas não seriam quadrinhos policiais, seria algo grandioso, maior que Tarzan e Buck Rogens, mais fantástico que Gladiator e Doc Savage, seria sobre um super-humano com boa índole, seu nome? O Super-Homem.

superman_1933Em 1933 a primeira versão do super-homem como personagem de quadrinhos foi enviada para a Humor Publishing, que após meses de silêncio, devolveram os originais rejeitando a proposta de Siegel e Shuster. Dessa primeira versão restou apenas hoje à capa esboçada por Shuster, essa capa foi encontrada décadas mais tarde na escrivaninha de Charles Gaines. Jerry tentara a sorte com Gaines enviando seu trabalho para a revista Famous Funnies em 1934, porém o resultado fora o mesmo: rejeitado.

Em junho de 1934 Jerry e Joe se formam no Glenville High School, às vésperas de completarem ambos 20 anos de idade, trabalhos como o jornal The Torch ficaram para trás, era hora de pegar no batente e ganhar dinheiro.
Deixando de lado temporariamente as idéias inovadoras do Super-Homem, Siegel e Shuster partiram para uma linha mais comercial, produziram uma adaptação livre de P. G. Wodehouse chamada Reggie Van Twerp, além de desenvolverem uma tira inspirada em O Gordo e o Magro.
Fecharam negócio com o editor do Cleveland Shopping News, um jornal de anúncios, para produzir um tablóide de quadrinhos chamado Popular Comics.
Porém o Shopping News voltou atrás cancelando o Popular Comics antes mesmo do primeiro exemplar ser impresso.
Neste período silenciosamente Jerry Siegel tentou afastar Joe Shuster do Super-Homem por acreditar que com Joe, seu trabalho não teria futuro.
Primeiramente Jerry contatou Tony Strobl, aluno da Cleveland Art Institute, mas preferiu não arriscar com o projeto de Siegel, e após se formar, se tornou um dos melhores artistas de Walt Disney.
Mel Graff foi o seguinte, entusiasmou-se com a idéia de Siegel, e como já trabalhava para a NEA, o sydicate que cuidava das tiras de Wash Tubbs e Alley Oop (Brucutu), parecia ser o parceiro ideal. Porém no final de 1934 Graff partia em mudança para New York para lançar uma tira infantil chamada Patsy, para a Associated Press. Porém em 1935, Graff criou um amigo para Patsy, o Mágico Fantasma, um herói de capa e malha justa no corpo, que usava mágicas para resolver os problemas. Teria Graff se inspirado nas conversas com Siegel o conceito da capa e malha colante ou vice-versa? Essa pergunta permanece até hoje sem resposta.

A cartada seguinte foi Russel Keaton, o jovem desenhista anônimo das pranchas dominicais de Buck Rogers, seu estilo não era diferente do de Shuster, mas Keaton era diplomado pela Chicago Academy of Fine Art, além de já ser um profissional respeitado no mercado, o que poderia abrir as portas para publicar um trabalho próprio em um dos principais syndicates do país. Após meses trocando idéias, Keaton desiste por não querer se arriscar com alguém tão jovem e inexperiente como Siegel.
Então no início de 1935, sem outras opções Siegel mantêm sua parceria com Shuster.
Os ventos da mudança vieram com a chegada de New Fun, editada pelo major Malcolm Wheeler-Nicholson, e Siegel rapidamente fez contato com ele, o que resultou em duas encomendas: Henri Duval of France – Famed Soldier of Fortune e Dr. Occult – the Ghost Detective, tudo isso pelo módico valor de U$ 6,00.
Novas encomendas vieram, mas o valor pago era mísero, e Joe trabalhava como entregador em uma mercearia, enquanto Jerry era entregador em uma gráfica. Durante a noite escreviam e desenhavam, e numa leva de sugestões enviadas ao major estava à tira do Super-Homem.
A resposta do Major foi: A tira do Super-Homem está aguardando um pedido iminente de um syndicate nacional… Uma encomenda para um tablóide com 16 páginas, em quatro cores, que poderia incluir o Super-Homem lá pelo início do ano.. “Acho que o Super-Homem tem ótimas chances.”

shuster_sketch

Animados com a notícia, Siegel e Shuster começaram a esboçar slogans para promover o Super-Homem, como “a tira de maior sucesso de 1936”, “sem dúvida a tira que conquistaria a nação! A Supertira! A melhor de todos os tempos! O maior acontecimento desde o surgimento das histórias em quadrinhos! A melhor tira de super-herói de todos os tempos!” E prometiam também “Velocidade, ação, risadas, emoções, surpresas. A mais inusitada de todas as tiras de humor e aventura jamais criadas! Uma nova personalidade saúda o mundo! Você vai rir! Você vai se admirar! É preciso ver para crer!”.
Entre todos esses slogans rabiscados em uma folha usada de papel, eles anteveram os produtos licenciados: caixas de cereais e biscoitos no formato do Super-Homem.
Siegel sabia que o grosso do dinheiro faturado pelos sydicates provinha da concessão de licenças.
Este esboço mostra pela primeira vez o Super-Homem de uniforme colante e capa, no peito um triângulo invertido, sem o famoso “S”.

Em 1934 Pimpinela Escarlate (um dos romances favoritos de Jerry Siegel) foi levado às telas de cinema, o drama da dupla identidade e a aparente ingenuidade do herói, se tornaram modelo para Clark Kent e Lois Lane.
No final de 1935 o otimismo de Siegel e Shuster começara a baixar novamente, a negociação do major com o syndicate (seja ele qual tenha sido), nunca saiu, e para piorar nem mesmo a publicação da New Fun não havia saído.
Salvo pela Independent News de Harry Donefeld, o major conseguira levar as bancas as revistas New Fun e sete meses depois a New Adventure, mais isso tudo por que Jack Liebowitz entrara controlando a parte financeira.
Com o Super-Homem engavetado mais uma vez, Siegel e Shuster se concentraram nas revistas que estavam sendo publicadas.
Nesse período criaram: Calling All Cars, aventuras protagonizadas por policiais e Federal Men.
Federal Men teve boa aceitação, com a ampliação do tamanho das histórias para quatro páginas, Jerry e Joe puderam extrapolar um pouco colocando os agentes federais em confronto com robôs gigantes, ou mesmo em cenários apocalípticos dignos das revistas “Amazing Stories” e “Wonder Tales”.
Mudaram também o visual do Dr. Occult, que abandonara o terno em troca de uma malha colante, botas, capa vermelha e uma espada. Joe adorava o efeito dramático de uma capa esvoaçante.
Nessa época Charlie Gaines era um dos maiores fornecedores de quadrinhos para George Delacorte, além de ser um representante freelance do McClure Syndicate.
Portanto Gaines acabou recebendo a proposta de publicação do Super-Homem, a qual ele tentou emplacar em 1937 na revista Popular Comics, Tip Top Comics, porém sem sucesso. A Tip Top Comics pertencia à United Features Syndicate, e o motivo da recusa foi por achar o trabalho de Siegel e Shuster como imaturo, a Enquire Features recomendou “Prestem um pouco mais de atenção ao desenho”.

superman1_1933Possivelmente nessa época Siegel e Shuster tenham redefinido alguns aspectos do Super-Homem adequando-o para o mercado vigente.

Alguns dos pulps publicados por Donefeld voltados ao público adulto incluíam alguns quadrinhos. Como Joe gostava de desenhar garotas sensuais e Jerry tinha um texto que às vezes era apelativo, tentaram levar o Super-Homem para Worth Carnahan que editava entre outras os pulps Pep e Spicy Detective. Carnahan não viu futuro algum no material apresentado pelos rapazes, Super-Homem voltava para a gaveta de espera. Pois o trabalho pago era prioridade na vida de Siegel e Shuster.
No início de 1937 o major preparava mais um título: “Detective Comics”.

O major colocara Vin Sullivan, seu mais leal editor para cuidar da publicação.
O conceito inicial para a Detective Comics era igual à estrutura dos pulps: histórias completas de um só gênero. As histórias principais teriam 13 páginas cada.
Siegel e Shuster foram convocados para criar algo novo, o resultado foi Slam Bradley, uma mistura de Captain Easy (Capitão César) de Roy Crane e Terry and the Pirates (Terry e os Piratas) de Milton Cannif.
A arte de Shuster se tornara mais esquemática, porém ousada, os textos de Siegel feriam o bom gosto com estereótipos revoltantes.
Criaram também a série Spy com quatro páginas por aventura. No saldo final, das 64 páginas de Detective Comics, 17 eram produzidas por eles, e não demorou muito para ocuparem 30 páginas mensais com suas criações.
Esse ritmo desgastou um pouco a qualidade do trabalho de Siegel e Shuster, pois praticamente tinham de produzir uma página completa por dia: eles eram roteirista, desenhista, letrista e colorista.
Endividado com Harry Donefeld, o major precisava de mais um título de sucesso, sua última tentativa meses atrás tinha sido a Thrilling Comics que não pôde ser publicada por falta de funcionários para cuidar da mesma.
Então em novembro de 1937 o major e Vin Sullivan começaram a juntar o restara de Thrillig Comics em uma nova revista: “Action Comics”.

Não havia tempo para encomendar material novo, pois a revista tinha de estar nas bancas na primavera para que pudesse ser promovida com força total. Começaram então a revirar as pilhas de material rejeitado.
Conseguiram matéria para preencher parte da revista, mas nenhum deles tinha um personagem carismático o suficiente para ilustrar a capa.
Consultaram o cartunista Shelly Mayer que trabalhava para Gaines, se ele sabia de algum material de qualidade que tivesse escapado aos olhos de Gaines.clark_superman
Shelly encontrou uma amostra do Super-Homem no meio da pilha de trabalhos rejeitados, a versão que Shelly viu era bem violenta: Após salvar um homem de ser linchado, este o conta que sua esposa irá àquela noite para a cadeira elétrica sob falsa acusação.
O Super-Homem vai atrás da verdadeira assassina: uma loira oxigenada, cantora de cabaré. Recebido a tiros pela assassina, ele arranca o revólver de suas mãos, o esmaga e agarra fortemente o braço da mulher dizendo: “Está pronta para assinar a sua confissão? Ou quer experimentar o que sentiu aquela arma quando eu fechei minha mão?”.
A mulher escreve a confissão, é amarrada e amordaçada, sendo levada pelo Super-Homem até a mansão do governador. O mordomo da casa ataca-o com uma faca, mas a lâmina entorta. Derrubando a pesada porta de aço do quarto do governador, o Super-Homem exige que o governador o escute, e por fim conceda o perdão à mulher inocente. No dia seguinte o governador confessa entre seus assessores sobre a terrível visita que recebera a noite: “Ele não é humano!”.
Então Shelly sabia o que sugerir para Vin Sullivan.action_p1

Vin ficou empolgado com o material, afinal dois anos tinham se passado desde que ele teria recebido a proposta sobre o Super-Homem, e o momento atual pedia heróis como esse, mas precisava de alguns retoques para se tornar algo mais do que fantástico.
Em novembro, Siegel e Shuster receberam uma carta de Vin Sullivan, informando de que as amostras do Super-Homem estavam a caminho, e que eles a remontassem numa história de 13 páginas, pois ele compraria o material.

Quando a amostra chegou Siegel, Shuster se trancaram no apartamento de Shuster para dar cabo da encomenda, chamaram o irmão de Shuster, para ajudar no trabalho.
Produziram uma página de introdução contando brevemente a origem do Super-Homem, eliminaram a parte do linchamento e da cantora, foram direto a parte da chegada à mansão do governador com o Super-Homem carregando uma mulher nos braços, sem maiores explicações.
Após salvar a mulher da execução, o Super-Homem ainda enfrenta um marido que espancava a esposa, salva Lois Lane de um bando de gangsters, sai atrás de um traficante de armas, terminando na página 13 com um final aberto para deixar os leitores em suspense, sem contar que também se disfarçara como Clark Kent e fora humilhado na frente de Lois Lane.
No último quadrinho, o Super-Homem corre por um cabo de alta tensão carregando um bandido apavorado dizendo: “Não se preocupe, os passarinhos ficam nos cabos e não são eletrocutados, desde que não toquem num poste! Opa! Quase bati naquele ali”.
Aquilo era algo novo: um super-herói fazendo uma piada, algo totalmente inconcebível para Doc Savage, Tarzan, Flash Gordon, Fantasma, O Sombra, etc..
Aquilo era um grande diferencial para a juventude.superman_panel

Pelo trabalho, Jerry e Joe receberam um cheque de 130 dólares, e assinaram um documento cedendo todos os direitos sobre o Super-Homem para a editora, pois era assim que as coisas funcionavam, e eles já haviam feito isso antes com todos os outros trabalhos anteriores.
Joe Shuster declarou que abriria mão dos outros trabalhos para se dedicar exclusivamente ao Super-Homem, que no final das contas era bem mais divertido de se trabalhar do que Federal Men ou Radio Squad.

O major Malcolm não se saiu bem na história, no início de 1938 após voltar de uma viagem a passeio por Cuba, descobriu que fora “despejado” do escritório por Donefeld em virtude a falta de pagamentos, e tinha sua empresa levada ao tribunal de falências.
Em um acordo judicial a Independet News se tornara dona de todos os ativos do major, que em troca recebera apenas uma percentagem sobre o título More Fun Comics. Desistindo do mundo dos comics, o major passou a se dedicar como escritor de histórias de guerra e críticas às forças armadas americanas.
Vin Sullivan continuou como editor, Jack Liebowitz prosseguiu como contador.
Nenhum deles tinha como prever como o mundo dos quadrinhos iria mudar após a publicação do primeiro número de Action Comics.
E assim nasceu o Super-Homem.

newsstand

Consulta bibliográfica:
– http://www.dialbforblog.com/
– Homens do Amanhã – Gerard Jones –

A Sedução dos Inocentes

digitalizar00601a

Através de um link publicado no universo hq que pude ter acesso aos scans originais em inglês da versão condesada do livro A Sedução dos Inocentes (Seduction of Innocent), publicada originalmente na revista Reader´s Digest (Seleções de Reader´s Digest ou simplesmente Seleções) em maio de 1954.

Pedi a duas profissionais simpatizantes da livre informação que traduzissem a matéria, visto que em minha busca não localizei a edição brasileira correspondente à americana, mas encontrei um outro artigo publicado praticamente um ano depois dando um saldo ao “mal levantado”.

suspenstories22
No segundo artigo é citado que um certo editor em julgamento justifica artisticamente a imagem de uma cabeça degolada na capa da revista “Crime Suspenstories” #22, desenhada por Johny Craig.
Esse episódio é de todo verídico, e o protagonista dele, nada mais é do que Bill Gaines, editor da E.C. Comics.

Boa leitura!

 

 

 

seducao-01a seducao-02a seducao-03a seducao-04a seducao-05a seducao-06a seducao-07a

Em 1955 nossos pais e avós foram alertados também com esse artigo sensacionalista :

digitalizar0001a digitalizar0002a digitalizar0003a digitalizar0004

Fontes consultadas:
http://thehorrorsofitall.blogspot.com
Seleções Reader´s Digest #157 – fevereiro 1955

Quem Lê Quadrinhos, Consome.

cuequinha

Enquanto os comerciais de tv e rádio são limitados por um número fixo de exibições, os folders vem e vão pelas ruas e malas diretas, os banners na internet ainda tem um alcance limitado, os anúncios em revistas fazem parte do tipo de propaganda mais duradoura que existe.

O anúncio em mídia impressa (magazines, informativos, hq´s, etc..) têm, portanto, uma vida longa. Dificilmente uma revista será lida por apenas uma pessoa. Ela atravessa os meses e até mesmo os anos, seja em salas de espera em consultórios, prateleiras de sebos ou em coleções particulares. Isso tudo sem falar na relação custo/benefício que se comparada com as outras mídias, a mídia impressa normalmente têm um preço mais atraente e um alcance maior.

Mas quem anuncia e por que o anunciante é importante?
Os quadrinhos em sua grande maioria atingem os públicos infanto-juvenil e adulto, sendo o infanto-juvenil representante da maior fatia consumidora do mercado (roupas, bebidas, alimentos, brinquedos, eletrônicos, etc..).

academia-de-cinema

Hoje em dia, uma das maiores revistas semanais de informação, com diversos jornalistas e colaboradores em suas páginas, tem todo o seu custo coberto pelos anunciantes.
Assim temos um veículo poderoso que atinge diretamente o público-alvo que mais consome, sem esquecer a cobertura do território nacional, e em alguns casos, a revista chega até Portugal.

A pergunta que não quer calar é: por que não temos anunciantes nas hq´s hoje em dia?
Tal presença acarretaria um aumento de tiragem, redução do preço de capa, o que, por conseguinte tornaria a publicação mais atraente e acessível. No entanto…

Mas essa situação sempre existiu? Já tivemos anunciantes em potencial nas hq´s? Que tipo de produtos já foram anunciados? Na matéria de hoje o HQ Memória faz um apanhado dos principais anúncios/anunciantes que investiram no público leitor de quadrinhos a partir da década de 60.
Com vocês o nosso patrocinador:

Cursos de Detetive

curso-de-detetive

Geralmente patrocinados pela Escola de Investigações Bechara Jalkh, os anúncios que prometiam transformar o leitor em um moderno James Bond através de fantásticas técnicas de luta, visores de infravermelho, maletas-microfone, etc.. eram facilmente encontrados na terceira capa dos quadrinhos de faroeste da editora Vecchi (Ken Parker, Zagor, Tex, etc..).

Literatura esotérica e umbandista

macumba

A empatia do brasileiro pelo lado oculto era explorada em anúncios de livros de umbanda, candomblé, bruxaria, espiritismo kardecista, simpatias e venda de patuás mágicos. Tais anúncios eram constantes nas revistas Spektro, Histórias do Além, Pesadelo e Sobrenatural, da editora Vecchi.

Demais publicações

policial

Muitas vezes os quadrinhos anunciavam livros de romance, humor, policiais, etc.. e geralmente incluindo junto um cupom de pedidos. Essa prática era unânime entre todas as editoras.

Cadernetas de Poupança

grande-rio

Em plena época do milagre brasileiro, o “enriquecimento” da nação se fazia sentir nas publicações infanto-juvenis da Bloch Editores, onde diversos personagens da Marvel Comics eram garotos-propaganda da Caderneta de Poupança Grande Rio. Esse tipo de propaganda nunca mais se repetiu, tornando o banco Grande Rio como o único no Brasil a investir na divulgação de seus produtos através das hq’s.

Brinquedos

brinquedos

EBAL, RGE, Cruzeiro, Globo, Abril e Panini foram as editoras que mais anunciaram em suas revistas diversas linhas de brinquedos, com destaque para Atma, Gulliver e Estrela.

Roupas

roupasroupas-2

Fantasias de super-heróis, camisas com estampas de diversos heróis, jeans, malhas, tênis, botas e sandálias estiveram presentes em anúncios de até duas páginas, entre os anunciantes de destaque citamos as malhas Hering, jeans Staroup e tênis Íris.

Doces e sobremesas

alimentos

Quem inovou nesse segmento foi a Danone com uma série anúncios de Danoninho que saiam sempre na contra-capa das publicações infantis da Abril na década de 80, onde além de divulgar o produto, ensinava que utilizando as duas embalagens vazias de Danoninho a criança poderia fazer um bonequinho especial. Os adereços e faces eram estampados no anúncio para a criança recortar e colar nas embalagens.
Não tem como esquecer as propagandas psicodélicas da goiabada Etti.

Bebidas

fanta

 A febre nos anos 70 foi a Fanta uva, com anúncios em praticamente todas as publicações da EBAL. Curiosamente, apesar de a Fanta fazer parte do conglomerado da Coca-Cola, esta nunca se fez anunciar nas hq’s. Porém anunciou bastante na Seleções Readers Digest nas décadas anteriores. O falecido guaraná Brahma esteve presente nas publicações infantis da Abril.

Programas de TV

excelsior

Nos rodapés das revistas da RGE na década de 60/70, vinham os anúncios dos seriados de TV e desenhos animados. Já a Bloch anunciava o programa do Capitão Aza. As quadrinizações de personagens da tv eram freqüentes (Trapalhões, Angélica, Faustão, Xuxa, etc..).

Cursos profissionalizantes

iub01 iub02profissoes

O campeão nesse segmento é o saudoso Instituto Universal Brasileiro que no início colocava em seus anúncios as fotos e depoimentos de ex-alunos satisfeitos, para na década de 80 anunciar sob a forma de uma pequena HQ onde um jovem desempregado fazia o curso de desenhista por correspondência e ao se formar, arrumava emprego em uma grande editora, tornando-se famoso, rico e famoso!!
Porém, anos antes a Escola Panamericana de desenho fazia o mesmo uso de linguagem em seus anúncios.
Como um reflexo do período militar aqui no Brasil, as forças armadas procuravam arrebanhar novos recrutas, oferecendo “grandes oportunidades” ao leitor civil.

Saúde e boa forma

saude2

saude

Um anúncio em forma de HQ mostrava uma caricatura do Batman impedido de combater o crime por estar gripado, até tomar Coristina-C e se recuperar, prendendo todos os vilões. Remédios para gripe, Emulsão Scott, Biotônico Fontoura, geléia de mocotó, cintas para emagrecimento, aulas de kung-fu, mini academias domésticas, etc..

As hq´s vendiam saúde, e ao lado do Instituto Universal, esse tipo de anunciante, foi o mais presente na mídia impressa.

Material escolar

escolar

Canetinhas Hidrocor, mochilas, cadernos e lancheiras eram o primeiro elo visual do leitor com a escola, afinal nada mais bacana do que ir para o recreio com a lancheira do Super-Homem ou do Homem-de-Ferro.

Empresas de ônibus

cometa

A Viação Cometa quando lançou os famosos Dinossauros Cometa em sua frota, rodando pelas estradas brasileiras com o suprassumo do conforto para a época, as revistas da EBAL fizeram seu anúncio, seguindo posteriormente para a Abril. Não constam em nossos registros anunciantes similares, a primeira instância apenas a Cometa apostou nas hq´s.

Diversos

diversos

sabonete-cinta-azul

Cursos de mágica do Instituto Fu-Manchu, jogos e brincadeiras, Garelli (aquela bicicleta com motor de moto ou moto com pedal de bicicleta), vídeo games, programas de futebol da Bandeirantes, quase todos os segmentos já anunciaram nas páginas e contracapas das hq´s brasileiras.

Esses anúncios estiveram presente nas editoras brasileiras em uma época em que qualquer um comprava uma revista na banca com o troco do pão – literalmente falando -.

Editoras como EBAL, RGE e Abril tinham um departamento especializado na parte comercial, outras aparentemente se aventuravam na cara e coragem, anunciando em suas revistas os mais bizarros produtos numa época em não existia a distribuição setorizada (salvo raras exceções).

Hoje temos publicações de qualidade gráfica e de acabamento superior a de qualquer época, temos um público fiel que está sempre comprando sua revista e (obviamente) consumindo outros produtos, então onde estão os anunciantes? Será que faltam anunciantes ou será que o que falta é alguém para abrir a porta e chama-los?

O mercado consumidor hoje atravessa uma excelente fase, seria hora dos editores atuais acordarem, pois tempo e papel são dinheiro.

Agradecimento especial ao Don Drácula pelos scans da Gulliver e outros.